Campos Neto põe riscos fiscais crescentes nas dívidas soberanas no radar

Desde a pandemia da covid-19, o endividamento dos governos só cresce e tem um custo de juros ainda maior que acende um alerta que vem sendo pouco percebido no mercado, na avaliação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em evento realizado pelo Bradesco, nesta quarta-feira (3/4), ele reforçou a preocupação sobre os riscos de liquidez que os países desenvolvidos altamente endividados vão ter quando precisarem rolar toda essa dívida uma vez que os juros não devem cair tão cedo e o custo médio atual é três vezes maior do que antes nos países desenvolvidos.

Conforme dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês) a dívida pública global segue em alta, em torno de US$ 310 bilhões no fim de 2023.

Campos Neto lembrou que, apenas Europa, Estados Unidos e Japão, respondem por 42% de toda a dívida soberana do planeta, e os juros desse endividamento saltou de 1,1% ao ano para 3,6% ou 3,7% anuais após a pandemia. “O custo de quase metade da dívida soberana global triplicou, porque a taxa de juros ficou baixa por muito tempo e os governos alongaram os prazos. Mas, quando vencerem, essas dívidas serão renovadas e terão um impacto na liquidez global, cujo efeito poderia ser atenuado se os juros começassem a cair lá na frente”, afirmou ele, em evento promovido pelo banco Bradesco, em São Paulo.

O presidente do BC brasileiro lembrou que o mercado apostava que os juros norte-americanos começariam a cair em fevereiro deste ano, o que não ocorreu. E, agora, as projeções esperam que isso comece em junho, porque o processo de desinflação “ainda é incerto”.

Diante desse cenário cada vez mais incerto, Campos Neto ressaltou que até mesmo o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) tem começado a demonstrar preocupação com a questão fiscal, o presidente do BC brasileiro reforçou o alerta de que esse assunto vai ganhar espaço nos radares do mercado financeiro e dos bancos centrais globais.

No Brasil, tudo indica que o problema fiscal, apesar de relevante, tem sido minimizado pelos dados arrecadatórios acima do esperado e, com isso, a expectativa é de um resultado “menos pior do que o esperado anteriormente”, ao ver de Campos Neto. Entretanto, ele fez um alerta de que é importante o mercado continuar atento com a piora do cenário externo. No mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC brasileiro, reduziu a taxa básica da economia (Selic) em 0,50 ponto percentual, para 10,25% ao ano, e deu sinais de que pretende continuar cauteloso no afrouxamento dos juros devido ao aumento das incertezas no cenário externo, principalmente.

Para o presidente do BC, o dado da inflação oficial dos Estados Unidos, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês), que deverá ser divulgado no próximo dia 10, é que vai dar um norte para o que o Fed deverá decidir na reunião comitê de política monetária (Fomc, na sigla em inglês), que ocorre entre os dias 30 de abril e 1º de maio. Atualmente, o intervalo dos juros básicos norte-americanos está entre 5,25% e 5,50% – patamar mais elevado em 23 anos.

“O mercado tem uma crença de que o Fed fará três cortes de 0,25 ponto percentual nos juros neste ano, mas não em reuniões seguidas. E, por isso, estão precificando o primeiro corte em junho. Mas, para isso, a inflação de 10 de abril será importante para que a expectativa se confirme”, afirmou. Campos Neto alertou ainda para o fato de que existe um fenômeno novo que ainda está sendo estudado pelos economistas, que é a atividade econômica mais aquecida do que o esperado, mesmo com juros altos em vários países, incluindo Brasil e Estados Unidos. Além disso, existe outro fato intrigante que é o movimento de desinflação com mercado de trabalho mais aquecido. Por isso, as atenções estão voltadas para a inflação de serviços que está acelerando e segue pressionando o custo de vida não apenas no mercado doméstico.

Ao longo da sua fala, Campos Neto, reiterou o discurso mais cauteloso com a condução política monetária do Banco Central, porque, ao contrário do esperado no início do ano, a chamada “última milha” da inflação global não está próxima.

“Grande parte do mercado achava que o processo de desinflação tinha acabado. Mas eu acho que não”, disse. Segundo ele, uma parte da desinflação teve grande contribuição (da queda dos preços) de energia e dos alimentos, mas a inflação de serviços ainda continua crescendo e isso preocupa e, por conta disso, a decisão do Copom de retirar o forward guidance (sinalização futura) para os próximos cortes está relacionada com o aumento das incertezas.

Ao comentar sobre a intervenção do Banco Central, realizada na segunda-feira (1º/4), no mercado de câmbio, Campos Neto, lembrou que a especulação faz parte do jogo e, como o BC tem reservas, é importante utilizá-las para evitar uma forte desvalorização do real frente ao dólar. “A gente entende que o câmbio é flutuante e entende que, se se precisar, vamos fazer (a intervenção). Temos um volume de reservas e um fluxo forte. O câmbio não deveria ser um problema no Brasil”, frisou.

Conforme dados do Banco Central, em 1º de abril, o estoque de divisas internacionais do país somava US$ 353,9 bilhões.

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