Desafios do PNE: rumo a uma educação transformadora

A Conferência Nacional de Educação, realizada na Universidade de Brasília de 28 a 303o de janeiro último, com a participação de delegados de todos os Estados da Federação, observadores nacionais e internacionais, debateu os eixos estruturantes à elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), para os próximos dez anos (2024-2034). Um debate cuja centralidade foi reafirmar a educação como um bem civilizatório, um direito humano fundamental, assegurada por uma política de Estado que promova justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável.

Pensar no futuro significa olhar para o PNE vigente (2014 a 2024) e analisarmos os fatores limitantes e os desafios ao cumprimento de suas metas nos últimos 10 anos. Entre os principais obstáculos está a falta de investimento adequado na educação, comprometendo a qualidade do ensino e a infraestrutura das escolas. Além disso, a falta de políticas efetivas para a valorização dos profissionais da educação e a ausência de um plano de carreira adequado contribuíram para o não cumprimento das metas.

Outro ponto crítico foi a desigualdade no acesso à educação de qualidade. Apesar das tentativas de universalização do ensino, ainda existem disparidades regionais, socioeconômicas e étnico-raciais que impedem o acesso equitativo à educação. A falta de políticas específicas para atender às necessidades de grupos vulneráveis, como negros, indígenas e quilombolas, também foi limitante.

A esperança, no entanto, irradiava o clima da Conferência, afinal, estavam na casa, pensada e criada por dois dos maiores mestres da educação brasileira: Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. O patrono Paulo Freire, se fez presente nos discursos, os quais desejo serem expectativas bem anunciadas à efetividade para o novo PNE, diante dos limites identificados no Plano anterior.

E para que seja efetivo, é preciso que haja um aumento significativo no investimento em educação, destinando recursos para a melhoria da infraestrutura escolar, formação e valorização dos profissionais, e o desenvolvimento de programas e projetos que promovam a inclusão e a equidade. Investimento adequado pressupõe 10% do Produto Interno Bruto destinado a educação, da creche à pós-graduação, sem contingenciamentos ou ajustes fiscais, e com autonomia ao exercício de uma gestão transparente, participativa, e radicalmente democrática.

Pressupõe ainda, a criação de um currículo mais flexível, que possibilite a adaptação às necessidades e interesses dos estudantes, ajudando-os a pensar e compreender as questões contemporâneas do Brasil e do mundo. É importante, portanto, que o currículo inclua várias dimensões do ensino e aprendizagem, a exemplo da tecnologia e inovação, educação socioambiental, saúde e bem-estar, globalização e interculturalidade, direitos humanos e justiça social, cidadania e participação, empreendedorismo e habilidades profissionais. A inclusão desses temas no currículo não deve ser isolada, mas integrada às disciplinas existentes, de forma interdisciplinar. E que a Educação integral, pressupõe a oferta de atividades complementares como esportes, artes, cultura e projetos de pesquisa ao desenvolvimento da cidadania.

Para tanto, exige maior ênfase na qualidade da educação por meio da adoção de práticas pedagógicas inovadoras, avaliação permanente dos processos formativos, com foco na criatividade, e incentivo à pesquisa e à extensão como competências, habilidades e atitudes à resolução dos problemas reais da sociedade. Pressupõe, sobretudo, a valorização dos professores com carreira digna, com salários compatíveis a nossa missão de educar para o desenvolvimento sustentável, com melhores condições de trabalho, ambiência saudável, respeitosa e atrativa ao bem-estar intra e extramuros das escolas e nas cidades universitárias.

Espero que o PNE, como instrumento importante para orientar as ações do governo na área educacional, saia da retórica para o mundo real. E que o Ministério da Educação e o Congresso Nacional se comprometam em respeitar as deliberações da Conferência Nacional de Educação e garantam que o novo Plano estabeleça políticas que atendam às demandas, garantindo o acesso igualitário à educação e promovendo a valorização da diversidade e da pluralidade de pensamento. Somente através de um compromisso coletivo será possível construir uma educação integral, laica e referenciada aos desafios contemporâneos, garantindo aos cidadãos brasileiros o direito a uma educação de qualidade.

FÁTIMA SOUSA, Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília

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