Governo usa verba de aposentadoria e pensões para pagar 13º do Bolsa Família

Guaribas - Bolsa Família

Parcela é garantida graças a pente-fino e demora na concessão de novos benefícios do INSS

Para conseguir pagar a 13ª parcela aos beneficiários do Bolsa Família, o governo teve de usar parte da verba que estava prevista para aposentadorias e pensões.

Em mais um capítulo dos problemas enfrentados sob comando de Jair Bolsonaro, o programa social precisou de dinheiro às pressas para evitar que famílias ficassem desamparadas. Foi necessário remanejar o Orçamento no fim de 2019 e, assim, retirar recursos de outras áreas.

Sem o aumento dos repasses ao programa, cerca de 1 milhão de famílias poderiam ficar fora da cobertura em dezembro, que incluiu também a 13ª parcela, promessa de Bolsonaro.

Até parte do dinheiro que estava reservada para a Previdência Social foi alvo do corte. O Ministério da Economia confirmou o remanejamento dos recursos.

O governo considerou que gastaria menos com benefícios previdenciários em 2019 por causa do combate a fraudes, mas também em razão do atraso do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para responder a pedidos de aposentadorias e pensões.

Essa demora vem prejudicando idosos que aguardam uma reposta do INSS. Com esse represamento na análise, houve uma folga no orçamento da Previdência.

Apesar do esforço do governo, a cobertura do Bolsa Família segue caindo na gestão Bolsonaro. Em dezembro, foi a menor do ano passado: 13,1 milhões de famílias atendidas.

A queda na cobertura tem sido provocada artificialmente. Como publicou a Folha, o governo passou a controlar a inclusão de beneficiários no programa, cujo objetivo é reduzir a desigualdade no país, por causa da falta de dinheiro.

Cerca de 700 mil famílias pediram o auxílio ao governo e aguardam na fila de espera.

O Bolsa Família atende pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 89 mensais, e pobreza, com renda entre R$ 89,01 e R$ 178 por mês. O benefício médio é de R$ 191,08.

A operação montada no fim de 2019 é mais um exemplo da penúria em andamento com as transferências de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

Em novembro, a Folha mostrou que havia um buraco no orçamento do programa, o que poderia comprometer o benefício de parte das famílias já atendidas e que dependem dos repasses em dezembro.

A equipe de Bolsonaro se negou a dar explicações sobre como estavam realizando os pagamentos no mês passado.

Às vésperas do fim do calendário de pagamento, o Ministério da Economia fez um ajuste no Orçamento, elevando em quase R$ 500 milhões a verba para o Bolsa Família.

O dinheiro saiu, principalmente, da Previdência Social e de uma reserva orçamentária (recursos sem destinação específica).

Procurado, o Ministério da Economia informou que “o aumento da despesa com o Bolsa Família implicou a redução de outra despesa primária para a manutenção do equilíbrio do teto de gastos”.

O teto foi aprovado durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e cria um limite para o crescimento das despesas públicas. Então, se há uma ampliação no orçamento de uma área, é necessário tirar verba de outra.

O Ministério da Cidadania —que não quis se manifestar— pediu à equipe econômica que o orçamento do Bolsa Família fosse expandido para fechar as contas em 2019. Caso contrário, não haveria dinheiro para bancar parte dos benefícios de dezembro e o 13º.

Em 20 de dezembro, a Economia publicou uma portaria para fazer um remanejamento de recursos. Foram elevados os repasses para gastos com servidores ativos e inativos, além do orçamento do Bolsa Família.

Em contrapartida, foram cortadas as verbas para aposentadorias e pensões e também usada a reserva orçamentária.

Questionado sobre a razão da medida na Previdência, o governo cita documentos encaminhados ao Congresso que apontam um gasto menor do que o esperado em 2019. As explicações são o pente-fino nos benefícios do INSS e o atraso na concessão de aposentadorias.

Em dezembro, cerca de 1,3 milhão de pedidos ao INSS estavam sem resposta havia mais de 45 dias —prazo legal para análise. Esse estoque foi registrado durante todo o ano passado. No auge, chegou a 1,7 milhão.

Depois que a aposentadoria for concedida, o beneficiário recebe os valores retroativos e corrigidos pela inflação. Essa demanda reprimida, porém, transforma uma parte da despesa previdenciária em um gasto futuro.

Com o atraso no INSS e o combate a fraudes, foi feita uma reavaliação do que seria desembolsado. Isso não significa que quem já está aposentado deixou de receber o benefício, mas a medida possibilitou um orçamento menor para a Previdência em 2019, abrindo espaço para outros gastos, como o Bolsa Família.

Cumprindo promessa de campanha, Bolsonaro anunciou, em outubro, a criação de uma 13ª parcela para beneficiários do Bolsa Família. Na prática, isso serviu para tentar compensar a falta de reajuste pela inflação no valor transferia à população de baixa renda.

O presidente, então, elevou para R$ 32 bilhões o orçamento do programa em 2019. Mesmo com a fila de espera criada pelo governo, a verba não seria suficiente para cobrir as famílias já atendidas. Por isso, a despesa precisou ser elevada para R$ 32,5 bilhões no fim do ano.

Para 2020, a verba é ainda menor (R$ 29,5 bilhões). Nem o 13º ainda está previsto. E o governo terá as mesmas dificuldades: o teto de gastos.

O Orçamento federal deste ano está no limite permitido para despesas. O time de Bolsonaro estuda uma forma de reformular o Bolsa Família desde meados de 2019.

Para ampliar o programa, recursos de outra área terão de ser reduzidos. Mas o governo ainda não encontrou uma solução.

Enquanto isso, o Congresso já discute uma extensão de benefícios aos mais pobres. Relator da medida provisória que criou o 13º do Bolsa Família para 2019, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quer tornar o benefício permanente.

O texto, que ainda precisa ser votado no Legislativo, pressionaria ainda mais o Orçamento. Além disso, o relator prevê que o valor repassado às famílias atendidas terá de ser corrigido pela inflação a partir de 2021.

Rodrigues também defende a criação de uma 13ª parcela para quem recebe o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos carentes e pessoas com deficiência. O valor do BPC é um salário mínimo (R$ 1.039).

O Congresso tem até o fim de março para aprovar a MP sobre o 13º do Bolsa Família.

Fonte: Folha de São Paulo

Com freio nos concursos e aposentadoria recorde, União perde 24 mil servidores

Fila em posto do INSS

Estimativa é que o Executivo federal feche o ano com 613 mil funcionários com menor contratação desde 2001

O governo fechará 2019 com o menor número de contratações de servidores em quase duas décadas. Até outubro, 9.784 funcionários haviam entrado no Executivo federal por meio de concurso público, segundo o levantamento mais recente do Ministério da Economia. Nesse ritmo, o total de ingressos este ano deve ser o mais baixo desde 2001.

O número de servidores na ativa encolheu bem mais por causa do recorde no número de aposentadorias às vésperas da reforma da Previdência, promulgada no mês passado. Só nos primeiros dez meses do ano, foram 33.848. Assim, o saldo entre entradas e saídas de funcionários no Executivo federal está negativo em cerca de 24 mil trabalhadores este ano.

Em dezembro de 2018, havia 630 mil. A estimativa do governo é que o quadro de servidores ativos feche o ano em no máximo 613 mil com o menor ritmo de convocação de concursados de seleções já realizadas ainda válidas.

Os dados compilados pelo GLOBO revelam o resultado da política de enxugamento do serviço público capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Para especialistas, a baixa reposição é importante para racionalizar gastos com pessoal. Entidades ligadas aos servidores alertam, no entanto, para o risco de comprometimento dos serviços prestados à população.

Em 2018, a União nomeou 13.360 novos servidores. Para alcançar esse patamar este ano, precisaria contratar mais de 3.500 funcionários até dezembro. Isso significaria quase dobrar o volume mensal de ingressos registrado até agora. Não é o que o governo pretende.

Segundo o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, o plano é apostar em digitalização de serviços, remanejamentos, reformulação de carreiras e terceirização, com a contratação de mais funcionários temporários, para conter o peso da folha nas contas públicas:

— É um trabalho de ganho de eficiência e produtividade, uma mudança de perfil de profissional e também, como é de conhecimento de todos, consequência de uma restrição orçamentária que faz com que a gente tenha um cuidado ainda maior na hora de fazer contratações ou nomeações.

Queda de 50% até 2030

O freio na contratação é uma das ações recomendadas por especialistas para reequilibrar o Orçamento. Há duas semanas, a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, projetou que o governo pode reduzir pela metade o total de servidores ativos, para 383 mil, se não repuser nenhum aposentado até 2030.

O órgão que mais perdeu gente em 2019 foi o INSS, que concede aposentadorias e outros benefícios a trabalhadores do setor privado. Até a última quinta-feira, 6.006 funcionários do órgão haviam se aposentado e só três haviam sido contratados. As saídas no instituto respondem por quase 20% de todas as baixas no funcionalismo federal neste ano. Com a debandada, o quadro de servidores na autarquia caiu de 29 mil para 23 mil.

Para evitar um apagão, o INSS recorreu à digitalização de serviços e remanejamento de pessoal dentro do próprio órgão. Hoje, dos 96 serviços prestados pelo órgão, 90 podem ser feitos pela internet ou pelo telefone. O número de funcionários dedicados apenas aos processos de pedido de benefício saltou de 2.751 para 6.686, mesmo com a redução no quadro geral. Isso foi possível com a redução do pessoal em áreas menos essenciais, como a administrativa. Não faltam queixas dos usuários, mas Renato Vieira, presidente do INSS, diz que essa transformação está aumentando a produtividade do órgão. Em outubro, foram decididos 977 mil pedidos de benefício, 49% a mais que os 655 mil processados em janeiro.

— Ninguém pode imaginar que, com menos servidores, a qualidade do serviço permaneça igual se nenhuma medida for tomada — diz Vieira.

Sindicatos criticam

A falta de contratações em outras áreas preocupa sindicatos ligados ao funcionalismo federal. Segundo Kléber Cabral, presidente do Sindifisco, que representa auditores da Receita Federal, o último concurso público para o órgão foi realizado em 2014.

— Em 2007, éramos 12 mil auditores fiscais. Hoje, pouco mais de 8 mil. A Receita está fechando unidades, delegacias e agências, não apenas por questões de restrição orçamentária, mas também por falta de pessoal. A galinha dos ovos de ouro vai acabar morrendo de fome — critica.

Maurício Porto, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa), reclama da dificuldade de convocação dos concursados aprovados em 2017. A seleção habilitou 547 candidatos, dos quais 247 foram para um cadastro de reservas. No último dia 21 de novembro, o Ministério da Agricultura recebeu autorização para nomear 100 desses aprovados, mas a categoria considera a reposição insuficiente.

— Hoje temos 2,5 mil fiscais em atuação, e o ideal seria 4 mil. É uma situação bastante crítica e um limitante para o crescimento do agronegócio e das exportações brasileiras — argumenta Porto.

Procurada, a Receita informou que a decisão sobre concursos cabe ao Ministério da Economia. A pasta disse que novos concursos estão suspensos e que a prestação de serviços à população não será prejudicada. O Ministério da Agricultura não respondeu.

Na avaliação do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, há espaço para cortes no funcionalismo e redução de gastos. O impacto fiscal de aposentados é baixo, porque eles continuam na folha de pagamento como inativos, mas a redução dos concursos tem efeito no longo prazo.

— Existe um trabalho para reduzir (o quadro) sem perder eficiência. A sensação é de que tem muita gente sobrando — diz Velloso.

Uma portaria editada pelo governo em julho do ano passado flexibilizou as regras para transferências de funcionários entre órgãos e estatais, liberando os deslocamentos sem a necessidade do aval do órgão de origem do funcionário. Para Lenhart, da secretaria de Gestão, todas as medidas de contenção da folha têm como objetivo reforçar uma mudança de cultura no funcionalismo:

— Havia uma cultura de olhar para a trás e não para a frente quando vai fazer concurso público. Se tinha uma carreira com 600 vagas e 200 saem, a tradição era pedir mais 200. Só que isso não significa que você vai conseguir atender aos desafios do futuro.

Impacto nos ‘concurseiros’

A política do governo de reduzir a folha de pessoal deve causar incerteza para quem está no chamado cadastro de reserva dos concursos. A contratação desses candidatos está sujeita a regras mais duras desde março deste ano, quando um decreto limitou os poderes dos órgãos de convocar.

Os concursos têm validade de dois anos, prorrogáveis por mais dois. Os editais determinam o número de vagas a serem preenchidas. Aprovados num concurso de 200 vagas, por exemplo, vão para a reserva a partir da posição 201.

Até março, o Ministério da Economia podia autorizar que órgãos convocassem até 50% mais que o previsto no edital. Agora, só 25%. Mas, segundo o secretário de Gestão, Wagner Lenhart, o plano do governo é não ir além das vagas previstas nos editais, contemplando apenas os que têm direito adquirido. O governo não tem estimativa de quantos estão nas duas situações. Cada órgão tem sua estatística.

A queda no número de contratações já colocou em alerta o mercado voltado para os chamados “concurseiros”. O advogado Marcos Kolbe, sócio de um escritório especializado, diz que a demanda por nomeações na Justiça aumentou:

— O escritório este ano voou. O problema é que existem vagas, mas estão precarizadas com temporários. Hoje, 70% dos processos são sobre isso.

O quadro forçou uma readaptação nos cursinhos. Segundo Arthur Lima, sócio do Direção Concursos, candidatos têm migrado para outras áreas do serviço público, como a Justiça. Ele lembra que seleções como a do INSS, que não ocorreu este ano, costumam atrair até 1 milhão de pessoas:

— Houve de fato diminuição no Executivo federal. O concurseiro precisou olhar para outras oportunidades. Um exemplo foi o concurso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O número de inscritos na seleção deste ano dobrou em relação ao último, de 2014.

Fonte: O Globo