Os riscos do atraso na regulação digital

2Por Maria Fernanda Sirotheau, de Vinhas e Redenschi Advogados

Não bastassem os eternos dilemas de nosso imperfeito federalismo, o País se encontra em absoluta inércia normativa e institucional em relação à regulação da economia digital. Em um mundo que se desenvolverá a partir da evolução da robótica, da internet das coisas (IoT) e do big data, a ausência de um marco regulatório mínimo é desastroso se comparado com as nações desenvolvidas, e até mesmo às emergentes.

A insegurança jurídica surge ante a incapacidade dos sistemas de se atualizarem aos novos modelos de negócio, deixando dispersamente à jurisprudência o dever de legislar diante da necessidade de assegurar que o resultado desse processo se dê de forma justa e propicie o crescimento econômico do país.

Mesmo nos EUA, onde já existe um imenso aparato de regulamentação, as crises entre o Congresso e as big techs são frequentes, como se observou no episódio do testemunho do fundador do Facebook ante o vazamento de dados de milhões de pessoas este ano. Ali se pôde ver o profundo desconhecimento técnico e jurídico de grande parte dos membros da Comissão em relação a aspectos básicos de tráfego de informações e quais as responsabilidades dos órgãos de fiscalização.

O mesmo ocorre com a IoT, que pode ser definida como a capacidade de chips atuarem sem qualquer input humano, dependente de um serviço de telecomunicação isoladamente considerado, embora o valor agregado não esteja nele. Se em países como os EUA, em que a tributação da telecomunicação é irrisória (em média 6%), a questão suscita debates, imagine-se o que não ocorre no Brasil, que possui uma das cargas tributárias mais elevadas neste setor (em média 35%).

O cerne do problema é duplo: a tecnologia permite que corporações conduzam negócios internacionais sem presença física, e grande parte do valor dessas empresas derivam de intangíveis e cujo valor é difícil de documentar.

Justamente diante do fato de que empresas estão cada vez mais percebendo que a estratégia de alocar capital digital é muito mais efetiva no atual cenário econômico e negocial, tome-se como exemplo a grande dificuldade em atribuir valor às operações de determinada empresa junto à economia digital e efetivamente realizar uma due diligence voltada ao M&A, ainda que, nos últimos anos, o número de aquisições e fusões tenha aumentado e o interesse do capital estrangeiro em fintechs brasileiras se mostra cada vez maior. Como então solucionar a problemática regulatória em um ambiente em que se pretende compreender as consequências de mudanças que ocorrem em tempo real?

Recentemente foi aprovada na Europa uma proposta de criação de imposto digital, à alíquota de 3%, apoiada por países que acreditam ser a forma mais rápida de fazer com que as techs paguem mais tributos, trazendo para o Século XXI uma solução do Século XVI: criação de tributo cumulativo que potencializa a violação de tratados internacionais contra a dupla tributação.

A principal premissa da proposta envolve a adaptação da tributação para a digitalização da economia, observando o nexo entre as relações com a ampliação do conceito de estabelecimento permanente para consideração da “presença digital significativa” de uma empresa, sob os seguintes indicadores: prestação de serviços/vendas implicando em renda superior a 7€ milhões no ano; número de usuários acima de 100 mil com acesso aos serviços, e celebração de mais de três mil contratos comerciais relativos a serviços digitais M2M.

As críticas à proposta não são poucas. Questões de viabilidade política; discriminação; jurisdição e fragmentação de mercado são preocupações altamente discutidas pela comunidade jurídica, muito mais tendenciosa a projetos que propõem a atribuição de valor à participação digital do usuário e a expansão do conceito de fato gerador, tal qual divulgado pelo Reino Unido.

Inclusive, considerando que empresas lutam contra incertezas regulatórias no mundo inteiro, o Reino Unido tem utilizado a ideia de criação de regulatory sandboxes para testar formas de regulamentação, minimizando os riscos dos resultados antes de introduzi-los em uma escala mais abrangente. Envolvendo proeminentemente Fintechs, sandboxes oportunizaram a criação de ambientes livres para novos produtos sem que as empresas tenham o risco de serem punidas pelo regulador.

Na União Europeia, no entanto – considerando as dificuldades de criação de uma sandbox que a atinja por inteiro. Há notícia de que a Áustria começará campanha para aprovação do projeto de criação do Digital Tax, mesmo que de forma temporária, ainda neste ano.

Independente das discussões sobre o tema, fato é que não se questiona mais “se” e “como” tributar. A regulamentação do setor digital deixa de ser uma opção para países que buscam se manter na atual economia, não se tratando unicamente de garantir o crescimento da economia nacional, mas de uma necessidade de se manter dentro do atual cenário econômico/negocial de desenvolvimento e inovação digital.

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