O Brasil caminha para um “estado de sítio cafeeiro”. Os estoques públicos de café conilon, utilizado na fabricação do produto solúvel, estão praticamente esgotados: hoje, somam apenas 750 mil sacas, o menor patamar dos últimos seis anos. Com a decisão da Conab de realizar leilões quinzenais na tentativa de regular a oferta, muito provavelmente esse volume se esgotará antes do Natal. Por esta razão, é grande a probabilidade de o Brasil ter de importar café – o que, colocadas as devidas ressalvas, tem o mesmo simbolismo da imagem do país comprando banana ou melaço de cana. Essa situação-limite é resultado de um blend cruel: a ação divina com a imprevidência dos homens. O Brasil vem de uma quebra de safra causada pela severa estiagem no Espírito Santo, onde se concentram as principais áreas de plantio do conilon. A colheita, encerrada em agosto, foi quase 50% inferior à do ano passado.
Junte-se às condições climáticas a ausência de uma política de formação de estoques reguladores no Brasil, problema que começou no governo Lula e se acentuou na era Dilma. O Ministério da Fazenda, por meio da Conab, praticamente abriu mão de comprar café e formar estoques para períodos de fortes oscilações na produção e no preço. Para completar a tempestade perfeita, nos últimos anos o Brasil passou a ser um exportador de conilon, estimulado pelo aumento da produção interna e pelos convidativos preços no mercado internacional. Em 2014, exportou 3,4 milhões de sacas. Em 2015, 4,5 milhões. Mais uma vez, o governo deixou o mercado correr solto, talvez fiando-se na generosidade do terroir. Àquela altura, estimativas apontavam que o Brasil alcançaria uma produção anual superior a 20 milhões de sacas por ano. Mas havia uma intempérie no meio do caminho: segundo estimativas da Conab, o Brasil produzirá na safra 2016/17 apenas 8,35 milhões de sacas de conilon. É exatamente a metade da demanda interna anual. Ironia das ironias: hoje há mais de um milhão de sacas de café brasileiro estocadas em Antuérpia e em armazéns ingleses. Ou seja: se bobear, o Brasil importará seu próprio grão, a preços bem mais altos.
A questão da importação divide o setor, como aponta o paper de autoria do especialista em comércio exterior Francisco Ourique, que circula no mercado. Há lobbies contra e a favor. A indústria de café solúvel é a maior interessada na compra de conilon no mercado internacional. O setor está estrangulado: seus concorrentes globais têm conseguido adquirir matéria-prima a preços até 35% mais baixos. Por outro lado, os produtores, que sempre temeram o uso das importações como fator de regulação dos preços internos, apresentam uma série de óbices à compra do produto no exterior. Alegam o risco de entrada de sementes contaminadas no país, o que, a rigor, só faria algum sentido se o Brasil abrisse a porteira para uma quantidade descomunal de café – algo que não ocorrerá. A batata, ou melhor, a xícara quente está nas mãos de Blairo Maggi. Caberá ao ministro da Agricultura decidir se vai ou não faltar café.
Fonte: Relatório Reservado