A chuva demorou, mas começou a cair no sudoeste de Goiás, um alento diante da seca mais severa desde 1950, conforme monitoramento do Cemaden, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Com isso, produtores da região começaram o plantio de soja na semana passada, trabalho que vara a noite, para terminar em poucas semanas.
O início do plantio sustenta as estimativas iniciais de safra nacional recorde na temporada 2024/2025, o que poderá impulsionar as exportações, a renda e, portanto, a economia, após a quebra deste ano. Para isso, é preciso que as chuvas continuem caindo com regularidade nos próximos meses.
— Semana passada, fiquei emocionado com as chuvas — afirmou Alexandre Baumgart, sócio e presidente das Fazendas Reunidas Baumgart, que produzem soja, milho e gado de corte em Rio Verde, polo do agronegócio no sudoeste de Goiás, a 230km da capital Goiânia.
A propriedade, pertencente à família dona da Vedacit, indústria de impermeabilizantes e outros materiais de construção de São Paulo, ocupa 25 mil hectares, trabalha com tecnologia agrícola de ponta e está em pleno plantio da soja.
As máquinas plantadeiras começaram a trabalhar no início da semana passada e, até ontem, tinham semeado 35% do total da área prevista, de 9,1 mil hectares de soja. A previsão de Baumgart é concluir o plantio até o dia 4. Isso é possível por causa da tecnologia de ponta. As Fazendas Reunidas usam nove plantadeiras.
Trator guiado por GPS
O equipamento, puxado por tratores guiados com GPS, coloca as sementes no solo com precisão, em linhas perfeitamente desenhadas — as máquinas de maior porte chegam a 45 linhas. Com o GPS, as máquinas seguem trajetos no piloto automático, garantindo o alinhamento entre as linhas de plantio, o que permite trabalhar à noite, porque o condutor do trator não precisa de orientação visual.
Nesta temporada de plantio, os trabalhos nas Fazendas Reunidas vão até as 22h. Só não passam disso para não ter que abrir mais um turno de trabalho dos funcionários, segundo Baumgart:
— Como atrasou (a chuva), acho que vai vir água para caramba, mas imaginamos uma boa safra.
A expectativa também é positiva na Fazenda Brasilanda, em Montividiu e Aporé, no entorno de Rio Verde, do Grupo Kompier. O plantio da soja por lá começou semana passada e, ontem, chegava a 40% dos cerca de 6 mil hectares que serão dedicados ao grão, segundo Marion Kompier, sócia do grupo.
A produtora rural disse esperar resultado positivo para a safra, apesar das incertezas sobre o ritmo das chuvas nos próximos meses:
Segundo Marion Kompier, sócia do grupo, a expectativa é terminar todo o plantio em mais duas semanas. A produtora rural disse esperar um resultado positivo na safra, apesar das incertezas sobre o ritmo das chuvas nos próximos meses:
— A gente queria plantar.
A produção de grãos na safra 2024/2025 deverá atingir o recorde de 322 milhões de toneladas, alta de 8,3% ante a colheita de 2023/2024, na primeira estimativa para a recém-iniciada temporada agrícola divulgada pela Conab, estatal do Ministério da Agricultura e Pecuária.
A metade disso virá da soja, com 166 milhões de toneladas — o Brasil é o maior produtor e o maior exportador global da oleaginosa, usada tanto na indústria de alimentos quanto na pecuária, como ração.
As primeiras estimativas são mais incertas porque partem da área que os produtores informam que pretendem plantar e de uma projeção de produtividade (o quanto se produz numa mesma área). A chuva chegou, mas uma nova estiagem, temperaturas acima da média ou até tempestades na hora de colher podem baixar a produtividade.
Produtores seguem apreensivos com o clima. Relatório de setembro do Rabobank, banco holandês especializado no agronegócio, corrobora a expectativa de produção recorde de soja no Brasil na safra que se inicia, mas chama a atenção para a previsão de que as chuvas seguirão irregulares nos próximos meses.
Segundo o meteorologista Francisco Diniz, que foi diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a chuva deverá continuar na porção do Cerrado que se espalha por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e numa parte de Tocantins, grandes produtores de grãos. Por isso, há condições climáticas para uma boa safra de soja.
— Em Mato Grosso e Goiás, haverá uma diminuição, mas o panorama está dentro das condições normais, já que na Região Sul está chegando uma frente fria e as chuvas voltarão em melhores condições — disse Diniz, ressaltando que ao longo do ciclo dos grãos poderá haver “veranicos”, como são chamados períodos secos e quentes, mas com impacto limitado.
As previsões climáticas são menos favoráveis para a região do Matopiba (área que engloba as divisas entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), nova fronteira da produção de grãos. As chuvas por lá não foram suficientes para garantir o início do plantio da soja e nova estiagem poderá durar 15 dias, disse Diniz.
Risco para o milho
Mesmo que as chuvas retomem o padrão histórico nos próximos meses, a demora no início do período úmido no Centro-Sul do país já atrasou o plantio da soja. Segundo a Conab, em 12 de outubro, 9,1% da área esperada para a oleaginosa na safra 2024/2025 estavam semeados, ante 19% em igual período do ano passado.
Na safra 2023/2024, o problema foi a seca após os campos estarem semeados. Agora, chuvas regulares deverão garantir produção recorde da soja, mas atrapalhar a safra de milho.
O Brasil se tornou o maior exportador global de milho, na esteira da produção crescente, com o modelo de “segunda safra” — os produtores plantam soja em outubro, colhem em janeiro e fevereiro, para depois plantar milho ou algodão, que serão colhidos em julho e agosto. Quando atrasa o plantio da soja, que é prioridade, pode faltar tempo, ou “janela”, no jargão do setor, para semear o milho no ano seguinte.
— Com o atraso do plantio da soja aqui na região de Goiás, já é certo que vamos ter uma diminuição da produção da segunda safra de milho — afirmou Flavia Montans, presidente do Grupo Associado de Pesquisas do Sudoeste Goiano (Gapes), associação formada no ano 2000, que hoje reúne 43 produtores, de 35 famílias, que plantam um total de 235 mil hectares em Goiás.
Mesmo com os efeitos negativos sobre a safra de milho, a Conab ainda espera aumento modesto, de 3,5%, na produção total do cereal na temporada 2024/2025, ainda que haja redução na colheita de Mato Grosso, maior produtor nacional. Combinado com o recorde na soja, isso já será suficiente para garantir um impacto positivo da agropecuária na economia em 2025.
Neste ano, com a quebra da safra 2023/2024, as projeções do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) apontam para retração de 2,1% da agropecuária no PIB. Para 2025, a safra mais favorável deverá levar a um crescimento de 5,4% do setor, segundo a entidade.
Entrada de dólares
Nos últimos anos, o sucesso da produção agrícola nacional tem puxado um aumento das exportações de alimentos, que movimentam a economia. Mais carga em circulação puxa os serviços de transporte. Quando o retorno é favorável aos produtores, a renda nas regiões agrícolas cresce, impulsionando o comércio e os serviços nas economias locais. E a entrada de dólares ajuda a segurar a taxa de câmbio e evita que a economia tenha desequilíbrios externos.
— O impacto é muito positivo, pois teremos mais atividades econômicas no Brasil. Aumentar a produção significa aumentar as atividades em diversas cadeias produtivas. São mais caminhões contratados para transportar a soja, mais gente trabalhando nas rodovias — explicou o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
*Anna Bustamante, estagiária sob supervisão de Danielle Nogueira
**O repórter viajou a convite da Fundação Dom Cabral (FDC)