Mercado se desencanta com Bolsonaro, mas não perde fé na Previdência

Se durante as eleições presidenciais Paulo Guedes era visto pelo mercado como uma garantia do DNA reformista de Jair Bolsonaro e minimizava a possível falta de base ou o radicalismo do discurso do candidato na expectativa de uma política econômica mais alinhada com seus interesses, o cotidiano da política real já se impôs após cinco meses de Governo e mudou os humores dos operadores financeiros. As dificuldades de articulação de Bolsonaro com o Congresso, as revisões semanais do crescimento da economia brasileira —que deve retroceder neste primeiro trimestre— e, agora, as manifestações contra as medidas de contingenciamento do presidente têm esfriado a euforia do mercado, que, agora, já reza para um novo santo: o Congresso. Especialistas escutados pelo EL PAÍS dizem acreditar que apesar da percepção de que o engajamento político de Bolsonaro no Lesgislativo esteja aquém do projetado, a reforma da Previdência —a maior aposta da equipe econômica para devolver a confiança dos investidores e retomar o crescimento do país— deve ser, sim, aprovada neste ano. Nem que seja por meio de uma espécie de parlamentarismo improvisado.

Na avaliação de Camila Abdelmalack, economista da Capital Markets, o apoio do mercado ao presidente sempre foi calcado no projeto econômico de reformas apresentada por Bolsonaro e não em sua ideologia, mas, nos últimos meses, a leitura é de que o presidente atrapalha o andamento de seu próprio plano ao fazer comentários polêmicos e dar holofotes a temas irrelevantes. “A tensão hoje é que o mercado precificou que a aprovação da reforma da Previdência seria mais rápida e mais fácil. Mas a dificuldade não está na reforma em si, mas na falta de articulação do presidente. Ele vem se expressando de forma equivocada, afirmando que o problema do país são os políticos, inflama polêmicas e acaba desfocando o Congresso do tema central”, diz.

A turbulência política dos últimos dias refletiu no câmbio. Nas últimas duas semanas, o real recuou 3,25% frente ao dólar. A moeda americana chegou a ser cotada a 4,10 reais. “Ainda que haja uma influência do exterior no câmbio, o real foi a moeda que mais se desvalorizou dos emergentes, o que reflete essa instabilidade no Brasil “, afirma Abdelmalack. A economista opina, no entanto, que há um esforço grande dos parlamentares de passar as mudanças na aposentadoria. “Ainda contamos que o texto deve sofrer algumas emendas, mas vai passar, o Congresso tem consciência da relevância da reforma ainda que não apoie o Governo”, diz.

Silvio Cascione, analista da consultoria política Eurasia, também aposta na aprovação da reforma mesmo diante da tensão entre o presidente e o Congresso, que poderia prejudicar o trâmite. “O próprio Congresso está se apropriando e protegendo essa agenda do Executivo, já que os parlamentares estão com medo da crise que pode se instaurar caso a reforma não seja aprovada e querem blindar o projeto”, explica.

O analista da Eurasia ressalta, entretanto, que em um Governo sem uma base de apoio consolidada é difícil saber se outras reformas e medidas terão o mesmo tratamento.”O fato da Previdência estar blindada não significa que a tensão política não esteja crescendo. Há um risco grande de medidas provisórias e projetos permanecerem parados prejudicando os planos econômicos do Governo”, explica.

Na avaliação de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a ficha do mercado caiu sobre qual a forma real de governar de Bolsonaro. “Houve uma ilusão que seria diferente, mas ele não dá sinais de mudanças. Continua com o espírito de guerra da eleição, os filhos incitam, ele se aprofunda em picuinhas e na pauta dos costumes”, explica.

Parlamentarismo branco

Assim como os outros especialistas, Vale defende, no entanto, que hoje a despeito das divergências e polêmicas, a pauta da reforma da Previdência está acima do Governo. “Hoje estamos como uma economia derrapando, com risco de uma nova recessão. Por mais que exista tensão com Bolsonaro, o Congresso sabe da necessidade da reforma. Hoje o mercado vê com grande fiador da reforma o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Vê que há vontade dos parlamentares e a situação irá azedar se algo acontecer com essa liderança do Maia”, ressalta Vale.

Para o economista, a tendência é que o Executivo perca força cada vez mais. “As mudanças e medidas devem vir cada vez mais do Congresso e o presidente deve colecionar mais derrotas. É uma espécie de parlamentarismo branco. Líderes dos partidos assumem o compromisso com a pauta econômica própria, colocando seu DNA na reforma da Previdência e na Tributária”, opina.

Os descolamento do Congresso e as instabilidades criadas por Bolsonaro devem dificultar ainda mais a retomada do crescimento do país, segundo Vale. “A reforma da Previdência continua sendo extremamente necessária, mas ela por si só não fará o país voltar a crescer. Esse elemento de instabilidade política dificulta novamente o investimento a longo prazo, explica.

A MB Associados estima um crescimento médio de 2% do PIB durante os quatro anos de mandato de Bolsonaro. “Do jeito que o presidente vem atuando, avalio que o atual Governo é de transição, que prepara o terreno inclusive com reformas. Mas somente um novo Governo com estratégia política, menos belicoso, saberá realmente aproveitar mais as condições para o país retomar a rota de crescimento”.

Fonte: El País



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